sábado, 7 de novembro de 2009

o Barco



Marília na doce ingenuidade de criança resolveu que iria fazer um barco de chicletes.
Sonhava todo dia que navegaria com seu barquinho desde o pequeno córrego que passava no fundo do quintal de sua casa até fazer a volta ao mundo... Porque o córrego encontra o rio depois o mar! A professora havia explicado. Como seria bom, pensava... De dia, ela remaria, observaria as maravilhas da paisagem e anotaria tudinho no seu caderno de notas. De noite, dormiria observando as estrelas... Sim porque seu barco de chicletes flutuaria sozinho!!! Contaria as estrelas todas as noites para ver até quantas, contaria até chegar de volta à casa... Sim, porque seu barquinho lhe traria de volta, cheia de novidades lindas para seus parentes e amigos!!! Seu barquinho seria seguro.
Mas havia um problema: Teria que juntar muito chiclete para fazer seu sonhado barco. “Mãos à obra”, pensou! Todas as festas: aniversário, Natal, Páscoa, sempre pediria como presentes: CHICLETES!!! Iniciou seu plano! Foi ver o córrego de perto. Atirou uma pedra. A água fez vários círculos até a pedra desaparecer. “Puxa, é bem fundo. Vou precisar de um barco bem grande para não afundar!!!” Pensou Marília. Todos os dias examinava o tamanho da bola de chicletes que havia juntado. Virava devagarzinho o encosto da cama e, lá estava uma bolona, que era uma relíquia, para ela, a cristalização de seu sonho!!! Mas faltava muito ainda nem dava para encher suas duas mãozinhas... Os pais estavam intrigados! Pra que tanto chiclete? O que a menina pretendia? Ela não falava nada! Seria uma grande surpresa!

Certo dia ao chegar da escola, a casa estava um caos! Era água por todo lado. Perguntou: “O que é isso?” Sua mãe respondeu: “É faxina! Vamos receber sua tia, já arrumamos o quarto, irás dormir com tua prima.” Seu coraçãozinho apertou, correu desesperada até o quarto, com as mãozinhas nervosas procurava ansiosamente pelo seu tesouro! Ouviu uma voz ecoando seu nome: “Saia já daí! Vai se molhar e sujar o uniforme! Vá já cuidar de sua irmãzinha!!”. “Eu queria...” balbuciou. “Queria nada, saia já daí senão vou te buscar...” Marilia sabia como seria! a vara verde listaria suas nádegas. Saiu chorando. “Mãe, minha bola...” “O que?” Respondeu a mãe? “Aquele nojo? botei fora!” Nunca, ninguém saberia jamais, que haviam destruído uma parte de seu coraçãozinho!!! Chorou muito até cansar. Sua cabecinha não entendia porque era nojenta sua bola de chicletes??? Que mundo triste este dos adultos. Decididamente, não queria crescer! Queria morrer! Não quero pertencer a este mundo horrível, onde só pensam em trabalho, obrigações, horários. Queria um mundo onde se pudesse sonhar. Ser livre... Nunca mais falaria em chicletes nem mais sonharia com barco. Marília nunca mais foi a mesma. Mataram seu sonho de menina. Era melhor crescer... Foi assim que Marília deixou de ser criança, aprendeu que as crianças têm que ser subordinadas aos adultos, que sem nenhuma explicação lhe arrancam do peito as mais lindas ilusões...

Porque os adultos fazem isso???

4 comentários:

Elenara Stein Leitão disse...

Porque esqueceram o que é ser criança...
Lindo conto, mostra bem como somos podados desde cedo, esquecendo nossos sonhos e nossas peculiaridades que poderiam não apenas nos fazer mais felizes, mas transformar o mundo.
Ainda bem que eles não morrem de todo. Permanecem lá, adormecidos. Cabe a nós busca-los e reaviva-los.
Beijos

Karine disse...

Porque os adultos não se põem no lugar do outro. No conto, não pensaram que se a bola estava guardada é porque era importante para a menina de alguma forma. Só veem o seu lado, o que importa para eles. A mãe só pensou na limpeza da casa, que estava lhe incomodando.Para o adultos tudo tem que ter uma finalidade o que não tem (ou aparentemente não tem) finalidade é lixo. Mas felizmente não dá para generalizar. Muita gente enxerga beleza numa obra de arte ou num simples vaso de plantas.Mesmo que (aparentemente) não tenha uma finalidade específica. Precisamos manter vivo o que há de mais humano dentro de nós - a nossa sensibilidade.
Lindo o conto,
bjs
Karine

Angela Rosana disse...

ui! Cruel realidade esta, né? Dói no peito ler esta história porque de certa forma todos nós já sofremos com a desilusão de não realizar um sonho de infância.
Bjs!

Vera disse...

queridas Karine Angêla e Elenara,fiquei muit feliz pelos comentários,realmente as crianças sdão pouco entendidas pela maioria dos adultos porque seus mundos são diferentes,as cranças fantasiam a realidade e os adultos vivem-na Bom seria se pudessemos mesclar estas realidades,que os adultos fossem capazes de chegar ao nível da inocencia das crianças e depois com respeito, caminhar junto com ela aos poucos ir mostrando a impossibilidade de certas coisas.Uma passagem sem traumas...Com certeza teríamos adultos bem mais ajustados! mostrando