domingo, 16 de maio de 2010

Voce precisa ser corajoso...

Era um menino, lindo, inteligente vivaz. Ficara órfão aos sete anos. Primeiro morreu a mãe de uma doença misteriosa, que a deixara isolada num quarto, onde todos adultos, entravam com o rosto tensionado pela preocupação. Ele corria para ver sua mãe a cada hora em que a porta se abria. A sua irmã mais velha dizia abraçando-o:

- Não podes entrar aí a mamãe está muito doente.
- Mas eu quero vê-la!!!
- Tem que ser bonzinho, senão mamãe vai sofrer mais... Ele chorava mas não insistia. Amava sua mãe, não lhe desejava maior sofrimento!
Certa manhã, acordou, percebeu a casa cheia de gente, todos estavam falando baixinho. Sua irmã chorava alto e o pai, sentado na varanda, chorava silenciosamente, com suas lágrimas se perdendo pela face enrugada! Sua madrinha segredou para o marido:
- Como vamos falar a ele? Pobre criancinha!!!
O pai levantou-se devagar e colocou-o no colo dizendo:
Sua mãe partiu! Foi morar com Deus, agora somos só nós. . . três!!! E tu és o homenzinho da casa, tem que ser forte e corajoso para cuidar de nós. . .
Forte e corajoso!! Passou este a ser o lema de sua vida!
Levantava cedo e ia acompanhar o pai nas lides do campo.
Moravam na campanha, como muito outros, agregados, de um fazendeiro, que só visitava a fazenda em tempo de férias escolares.
Mas o fazendeiro se preocupava com seus empregados e com a educação de seus filhos! Colocou uma escolinha nas suas terras! A Escola Rural Multiseriada Nossa Sra. das Graças. Mais tarde, ele veio, a saber, na prática, o que era escola multiseriada.
Escola multiseriada é aquela em que todos os alunos fazem parte da mesma turma independente da idade ou da série. A professora divide o quadro em quatro partes de acordo com o adiantamento dos alunos: primeiro ano primário, segundo ano... e assim por diante. Uma só professora dava aulas para alunos de todas as idades e tamanhos. Todos fazendo parte da mesma sala de aula. A maioria dos alunos chegava a cavalo. A professora, vinda de longe, ficava morando na casa do capataz da Fazenda.
Houve festa de inauguração da Escola Nova, o pátio foi todo enfeitado de bandeirinhas de papel crepom verde e amarelo. Uma grande mesa foi improvisada com tábuas de madeiras e tripé de tronco de árvores finas. Foi carneada uma vaca e todos comiam churrasco, feito no fogo de chão, com espetos de madeira. As mulheres serviam doce de abóbora em calda como sobremesa e os homens bebiam caipirinha, uma bebida de aguardente com limão e mel e também vinho de laranja, uma especialidade oferecida pelo pai!!! O pai e seus amigos tocavam violão e cantavam abrilhantando o evento.
Tudo corria bem, apesar da falta que sentia da mãe. A vida lhe voltava a sorrir. Parece que tudo havia se resolvido. "Nada como o tempo para curar as feridas da alma"... Era o pensamento recorrente. . .
De noite o pai contava lindas histórias para ele e sua irmã. Contava de serenata, que fazia com seu violão, quando moço, das campeiradas e das caçadas de tatu em tempo de lua cheia.

Outras, de mistérios, de assombração e de almas do outro mundo, que deixavam o menino e sua mana todos arrepiados, ainda mais à noite, com a luz tremeluzente do lampião de querosene. Foi um tempo lindo que durou dois anos!!!
Certa noite o pai não se sentiu bem para contar histórias. No outro dia, não levantou para atender os animais. Ele foi fazer seu trabalho de costume. Quando chegou, novamente uma angustia lhe apertou o peito... A casa estava cheia de vizinhos. Na porta tinha um pano preto... Apeou do cavalo e seguiu devagarzinho. Sua irmã estava com o rosto deformado de tanto chorar...
Aconteceu, disse ela!! Abraçaram-se e choraram até ficarem cansados... Chegaram os parentes do pai, da mãe!

Logo após o enterro, aconteceu ainda pior: ele fora separado de sua irmã, sob a alegação de que, sendo menores, não podiam ficar morando sós! A irmã foi morar com os tios, um irmão de sua mãe e a esposa. Ela tinha que continuar a estudar.
-E eu? Perguntou o menino alucinado!!
Não se preocupe tu irás viver na nossa casa, disse a madrinha, precisa ser corajoso... Novamente corajoso!!!
Na casa dos padrinhos, sentia-se muito só. Seus padrinhos tinham seus próprios filhos. Afogava sua tristeza no trabalho. Ajudava a rebanhar ovelhas tirar leite das vacas e ir ao povoado buscar viveres e, às vezes, o médico para a madrinha ou para seus filhos menores. Até mesmo enfrentara uma tempestade cuja estrada se clareava com os próprios relâmpagos para buscar o médico!!! Você precisa ser corajoso! Ouvia o pai! Mas ele tinha apenas onze anos! Órfão não tem idade!!!
Certo dia deu de cara com uma ninhada de cachorrinhos. Tão lindinhos
Voltou correndo e contou para "os de casa". A madrinha lhe autorizou a escolher um!!!
-Mas só depois dele ser desmamado e abrir os olhinhos! Viu? Saiu cantando. Estava muito feliz! Como um fato tão simples pode deixar alguém tão feliz? Bem dizem que a felicidade é feita de momentos felizes pensou.
Companheiro, nome dado ao seu cão, era um amigo inseparável Ajudava a repontar as ovelhas, brincava de rolar-se pela grama verdinha e dormia com ele no pelego de ovelha que também lhe servia de cama, junto aos outros peões. Agora sim ele não estava mais sozinho, Companheiro lhe era inseparável, aprendeu a dar bom dia com a patinha e buscar objetos lançados pelo seu dono!!!
Companheiro porém, tinha parentes, que não foram tão bem criados... Falava-se que matavam ovelhas e não comiam??? Só matavam. Isso trazia prejuízos aos fazendeiros e a peonada não estava satisfeita.
Acordou certo dia assustado!!! Chamou Companheiro, mas ele não estava alí Correu até a casa e deparou-se com o mais dantesco dos espetáculos! Contra a luz do sol nascente se divisando o horizonte pendiam pendurados, quatro cachorros! Enforcados!!! Ele firmou o olhar para se certificar... Um deles era Companheiro. Deu um grito de dor tomou uma faca e investiu contra um dos peões, que alarmado disse:
- Que é isso piá? Não matamos teu cachorro!!!
Companheiro era um cão comum, era igual a outos tantos que por aí perambulam. Só era especial para seu dono...
O menino saiu em disparada correndo à toa, chorando e limpando os olhos na jaqueta!!! Correu tanto a esmo, chorou tanto que, exausto de cansaço, dormiu!!! Quando acordou, viu sua madrinha chorando junto dele! Filho, te daremos outro cãozinho, volta comigo, seja corajoso!!! Não deixa a tua madrinha sozinha, ela precisa de ti...
Pobrezinha pensou o menino! Ela não pode fazer nada. Quem manda nesse mundo são os homens!! As mulheres e as crianças não contam...
- Nunca mais quero nenhum cão!!! Respondeu!
Ele nunca mais voltou a ser o mesmo, amadureceu, virou homem, matou o menino junto com seu cão numa mesma madrugada...