domingo, 4 de julho de 2010

O Coração e Suas Razões



Era professora, sempre rodeada de livros, seminários e revistas, principalmente de ensino.
Verbosa, com talento para não repetir palavras. Não repetia duas vezes a mesma palavra. Tinha sinônimos para tudo. Os verbos, declinava-os todos, até o subjuntivo, se preciso fosse. Terminava bem todos os vocábulos, os esses e erres eram pronunciados com ênfase.
Era viúva há mais de quinze anos e aposentada. Costumava fazer seu passeio diário ao redor da praça, que tinha, num dos lados, a frente para uma linda igreja, criada pelos padres jesuítas.
Gostava de entrar na igreja para fazer oração. Tinha sido muito bela e ainda mostrava traços marcantes de sua antiga beleza. Era altiva, mas generosa e muito educada.
Vestia-se com elegância e, depois que se habituou com a bolsa à tiracolo, mesmo sabendo que comprometia sua silhueta, devido a escoliose pronunciada, não abria mão desta, por ser muito prática.
Num domingo de manhã, após a missa, sentou-se no banco da praça e ficou observando os transeuntes. Era gente que ia e vinha, crianças de bicicleta, jovens abraçadinhos arrulhando como pombinhos, apaixonados. Era bonito de ver!!!
Reparou num senhor, forte e meio calvo que lia o jornal, na parada do ônibus. De repente, um pé de vento, arrancou-lhe o jornal das mãos, que saiu desfolhando-se todo. Ela levantou-se rápido, apanhando o que pode do jornal desarticulado e devolveu a seu dono. Ele ficou muito agradecido. Pediu para sentar a seu lado para por em ordem o jornal.
Conversaram sobre banalidades, até que ficaram sabendo um do outro. Ela, viúva. Ele, divorciado. Ela, com filhos criados e casados. Ele também. Ele gostava de escrever. Ela, de ler...
Assim, começaram uma amizade, sempre se encontrando na pracinha. A amizade já durava dois meses. Numa tarde muito quente, ela não viu mal nenhum em convidá-lo a tomar um suco no seu apartamento, tão pertinho. Uma quadra da igreja. Ele aceitou... Deste dia em diante ele passou a visitá-la no apartamento.
Certo dia, porém o homem pegou sua mão e encostou no seu rosto!
- Sabe, eu estou tão sozinho!!!
Nesse momento, a professora ficou imóvel, não por achar atrevida a ação do homem, mas porque seu corpo tremia respondendo a um apelo que, ela imaginava, estivesse enterrado com seu marido! O rosto em brasa, os lábios tiritando.... Foi quando se deu conta de sua loucura. Como uma mulher de sua idade, poderia estar sentindo isso. Que pensariam seus filhos? Seus vizinhos? Ela não tinha este direito...
- Que é isso? Sou uma viúva de respeito! Saia já de minha casa!
Mas o que nos impede? Disse ele numa voz sumida, quero sua companhia... Gosto de estar contigo!
Por favor não insista. Ele saiu lentamente. Ela ficou ouvindo seus passos que se afastavam no corredor...
Chorava convulsivamente. Perguntava-se:
- Será que eu tenho este direito? Como o corpo pode reagir assim após tantos anos de solidão? Pode uma viúva sentir estas reações de adolescente?
Chorava, por que ele se fora. Chorava por ela mesma. Não sabia, as lágrimas se confundiam. Forças estranhas se debatiam dentro dela. Vergonha e desejo. Vergonha sujeira, pecado, desonra... Desejo, correspondia ao sexo e ao amor!
Mas ela não se sentia capaz de tal aventura... Não tinha esta coragem.
Foi ficando triste e perdeu a alegria de viver.
Nunca mais se ouviu falar dela.