sábado, 27 de março de 2010

Libertação

Que emprego arrumaria agora que tinha deixado a penitenciária, onde cumprira pena por homicídio? Como havia se torturado durante estes anos todos buscando indícios, algo que provasse que não era culpado??
Nos primeiros dias, sentiu o chão gélido da cela, compartilhada por uns outros tantos infelizes que também aguardavam julgamento. No início, a comida escassa, a falta d’água, os limitados recursos higiênicos eram desesperadores para ele. Depois, aos poucos já não se importava mais. Tinha uma certeza absurda, dolorida, de que nunca sairia daquele inferno!


Era um homem culto. Tinha estudado no seminário. Era um orgulho para família ter um filho dedicado a Deus... Ele era esse orgulho.
Dias transcorreram e chegou, afinal, o Julgamento.
Apresse-se, faça a barba, tome banho, pois hoje irás passear. Não queremos que pensem que vocês criminosos são maltratados aqui... Deu uma gargalhada e saiu! Era o carcereiro!
Sentado no banco dos réus, ouviu a sentença: “CULPADO”. Estremeceu... Ele era inocente!
Lembrou como tudo se passou.
Tinha deixado o Seminário porque não sentia a vocação para padre. Voltou para casa. Após a morte da mãe, já não era a mesma. O pai lutava com dificuldade para o seu sustento e o dos demais irmãos, trabalhava na roça, plantando e colhendo feijão, milho-verde e aipim.
Não queria esta vida... Foi para cidade, empregou-se de professor de música e tudo corria bem até que conheceu Ramiro. Jovem bem nascido, cheio de posses, que não fazia diferença entre os amigos, quer fossem pobres ou ricos.
Sua vida entrou numa nova fase. Divertimentos,mulheres, bebida. Tudo tão novo. Tudo tão diferente! Ele sentia-se feliz. Ramiro, porém, tinha um defeito: quando bebia, se transformava em outra pessoa! Ficava violento. Mas isto logo passava. Durava o tempo do pileque.
Foi num destes repentes que Ramiro esfaqueou um antagonista de jogos de carta. O rapaz não resistiu, vindo a falecer...
No momento, Ramiro virou-se para mim e abraçando-me suplicou:
- Ajuda-me!
- Como? Eu fitei-o incrédulo:
- Não sei!!! Saiu a toda velocidade no seu jipe... Éramos quatro... Fiquei apenas eu junto ao cadáver...
- Nãaaaao, sou inocente, sou inocente! Gritou, mas seu grito caiu no vazio.
- Todos dizem isso falou o policial Acompanha-me!
Não era ele que acompanhava o policial. Era um espectro sem alma, sem amigos sem ninguém!
Para onde irei??? Agora que fui libertado??? Que farei num mundo que não mais conheço??
Desilusões, humilhações... Falta de dinheiro. Entregou-se à bebida... Perambulou pelo mundo. Um mundo tão hostil...
Sentado no banco da praça, não resistiu ao frio da madrugada, ao frio interno de sua desdita. O grande frio de sua libertação...
“UM HOMEM DE APROXIMADAMENTE 50 ANOS MORRE DE FRIO NA MADRUGADA”, ecoava o grito do vendedor de jornal!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Benção Extra

Flora ficou admirada! Sem mais nem menos, o destino lhe colocou nos braços um anjinho cor de rosa: Era seu neto!!! Entre surpresa e a alegria ela agarrou com mãos trêmulas aquele pacotinho abençoado... A emoção era tanta que ela só pode dizer com voz entrecortada: É lindo... E o apertou contra seu próprio peito com a delicadeza de quem cultiva uma jóia rara.
Como a vida nos surpreende, quando pensamos que já cumprimos todas as etapas de nossas responsabilidades, como num passe de mágica, eis que nossa vida está novamente cheia de significados...
Que bom, Deus pensa em tudo. Quando pensamos que já estamos no passado,
vivendo de recordações, Ele nos brinda com a benção extra: os netos.
Os netos são a grande alegria da velhice. Quando estamos com eles parece que o tempo para. É um eterno domingo...
Flora chamou por Lourdes sua serviçal, enquanto estacionava o carro na garagem. - - - Agora tudo mudou!
- Mudou o que? Perguntou Lourdes.
- Tudo, respondeu Flora.O que era antes já não o é mais. Temos agora o meu neto!
- Mas e daí?
- Dai é que teremos que dar uma arrumada na casa para que se torne adaptada a um bebê. Quero vê-lo correndo solto por aqui, sem o risco de machucar-se e que não seja evitado tanto quanto possível, para que ele se sinta feliz e alegre na casa da vovó!
- E suas lembrancinhas dos passeios turísticos que estão espalhados pela casa?

- Guarda tudo. Ah! Aquela toalha de crochê, presente de minha falecida sogra, guarda também por que ela corre o risco de virar uma barraca, um navio pirata ou outra coisa que a imaginação do miúdo permitir...

- Vou subir e tomar um banho. Cantarolando pensava “Como estou feliz .Como é bom viver. Mas não posso de modo algum interferir na educação dele, disciplina, educação são as responsabilidades dos pais...eu SOU APENAS AVÓ, que deve colaborar para que meu neto seja saudável alegre e feliz!”

Puxa pensou Lourdes, nunca a tinha visto tão alegre depois que perdeu o marido, que bom! Dona Flora é uma pessoa muito boa e consciente. Tudo vai dar certo! Eta guri sortudo!!!



Penteando os cabelos, Flora admirava sua figura era uma mulher bonita e agora este neto tinha trazido mais luminosidade ao seu olhar....

Pensava satisfeita.

“É... nossos filhos e depois os netos representam a continuidade da nossa vida na Terra...

É o nosso rastro pelo mundo...”